terça-feira, 19 de maio de 2009

A arte de ser jornalista

Ao conversar com algumas amigas sobre estágio na área de jornalismo, lembrei do meu primeiro emprego na área. Quando iniciei na profissão, não existiam estágios, pois uma lei de 1978 proibia que estudantes de jornalismo fossem contratados como estagiários. A lei foi proposta por jornalistas atuantes que lutavam para proibir que alunos fossem contratados e tomassem seus lugares nas redações.

Então, por muitos e muitos anos, o cargo de estagiário foi extinto do organograma das empresas jornalísticas mas, por baixo dos panos, é claro que a função existia. Além disso, existiam – ou melhor, ainda existem, os programas de focas (jornalista em início de carreira) do grupo Estado de São Paulo, conhecido como Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado e os cursos de trainee da Folha de São Paulo. Participar desses cursos era passaporte certo para ingressar no jornalismo. Por duas vezes participei de processos seletivos para ingressar no curso do Estadão, mas não consegui chegar à final.

As possíveis oportunidades para atuar na área eram camufladas sob o nome de estágio de comunicação e as poucas vagas anunciadas no mural da faculdade eram disputadas à tapa. Um belo dia, andando pelos corredores da PUC, vi o anúncio de vagas para estagiários para uma revista de música. Era final de ano e a faculdade estava praticamente vazia, mas como disse, as vagas eram disputadíssimas. O anúncio era claro e pedia “duas estagiárias que fossem amigas”.... Imediatamente liguei para Inaê, minha “super amiga” da época de faculdade, e contei para ela a novidade. Ela era fissurada em música, ia a todos os shows que se podia imaginar e sabia a letra de todas as músicas que estavam em voga na época.

Meus irmãos haviam tocado em uma banda de rock que ficou conhecida nos anos 80 e, por isso mesmo, tinha um certo conhecimento musical. Eles ensaiavam para os shows na edícula de casa e tinham muitos (muitos mesmo!) discos de vinil. Ter irmãos mais velhos que tocavam em uma banda de rock fez com que eu me interessasse pelo efervescente cenário do rock nacional e tivesse a oportunidade, ainda muito jovem, de ir a shows em casas como o extinto Projeto SP e o Circo Voador, no Rio de Janeiro. Fora que meu pai também adorava música - de boa qualidade e de vários gêneros, desde música clássica, jazz, francesa, italiana e bossa nova, até MPB; e minha mãe tocava piano. Aliás, eu já havia tentado por duas vezes aprender o instrumento, mas isso é assunto para outro post....

Achávamos que o anúncio era para alguma revista de rock pesado, como a Rock Brigade. Até fiquei um pouco preocupada, pois esse tipo de som não é minha praia e não saberia o que dizer na entrevista, caso me perguntassem sobre alguma dessas bandas.

Mas, a revista em questão era a BIZZ, da editora Azul – Grupo Abril, considerada a bíblia da música, ou melhor, do pop rock, por inúmeros jovens desde 1985. Otávio Rodrigues, editor da revista (atualmente, ele faz parte do conselho editorial da Rolling Stones Brasil) conversou com as duas aspirantes a jornalistas, fez as perguntas de praxe e explicou que queria que fossem duas garotas, pois a redação era cheia de homens (!). Até hoje me lembro disso e solto boas gargalhadas.

Na antevéspera do Natal, ele me ligou e disse que a vaga era nossa. Dei pulos de felicidade (!!). Com certeza, foi o presente de Natal mais bem-vindo da minha vida. O namorado, lógico, ficou muito bravo, pois o estágio iria começar já no dia 2 de janeiro, colocando ladeira abaixo os planos de qualquer viagem de fim de ano. Como não era boba, nem nada, nem dei ouvidos à reclamação do rapaz.

Trabalhar na revista BIZZ foi uma das experiências mais gratificantes que tive como jornalista. Foram oito meses que, com certeza, valeram pelo dobro. Estava em começo de carreira e não tinha nem idéia do que significava trabalhar ao lado de nomes como Otávio Rodrigues, Celso Pucci, Sérgio Martins, entre outros. Estava ao lado de bibliotecas ambulantes da música, mas era muito jovem e, relativamente, tímida para bater um papo de igual para igual com “aquelas” figuras.

Lógico que começamos a organizar e responder às correspondências dos leitores... Eram caixas e caixas de cartas escritas por fãs alucinados pelas bandas e pela revista. Esse trabalho me rendeu uma tendinite e a exata noção do destino dado às cartas nas redações e, por que não dizer, nas empresas de um modo geral.

Com o tempo, nossos colegas de redação viram que não estávamos para brincadeira e foram passando trabalhos, digamos, mais sérios. Um dia, Otávio Rodrigues me escalou para cobrir o show do Sting (!). Lá fui eu com gravador e bloco de anotações debaixo do braço fazer minha primeira cobertura jornalística. Modéstia à parte, o texto ficou bom e rendeu um elogio do editor que disse: “Você tem jeito para a coisa. O texto só precisa ser arredondado.”

Isso tudo aconteceu em 1994 e muita água passou embaixo dessa ponte, muitos textos foram escritos e muita história ficou para ser contada. Aos poucos, vou colocando no papel. Ou melhor, neste espaço virtual. Mas, fico feliz que, atualmente, o estágio para jornalista seja legalizado. É uma forma de tornar mais fácil a vida de meus colegas no início da profissão. A foto no início da matéria faz homenagem ao Nirvana. No período em que trabalhei na revista, uma das edições foi dedicada especialmente à banda, devido à morte Kurt Cobain.

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